Militares já estão sendo treinados para investigar ocorrências com menor potencial antes da data anunciada pelo governo
Por Rafael Custódio | Edição: Bruno Fonseca
A Polícia Militar de São Paulo, sob a gestão do governador Tarcísio de Freitas (Republicanos), iniciou o treinamento de policiais para o registro do Termo Circunstanciado de Ocorrência (TCO) antes da decisão oficial da comissão que avalia o caso. A informação foi confirmada pela Agência Pública com exclusividade.
Os TCOs são registros de crimes de menor potencial ofensivo, cujas penas não ultrapassam dois anos. Elaborar esses termos era uma função exclusiva da Polícia Civil, mas uma ordem preparatória publicada em 7 de abril deste ano, pelo subcomandante da PM de São Paulo, coronel José Augusto Coutinho, previu que os militares pudessem investigar esse tipo de ocorrência.
Os treinamentos começaram em 15 de abril deste ano, segundo resposta da Polícia Militar à Agência Pública via Lei de Acesso à Informação (LAI). Os cursos são destinados a todos os praças, oficiais e até capitães e têm duração de um dia, das 7h30 às 17h.
A ordem preparatória previa que todo o efetivo da PM de São Paulo, após ser submetido aos treinamentos, passaria por uma avaliação técnica cujo teste seria composto por 15 questões de múltipla escolha, sendo exigidos 50% de acerto para aprovação.
Em junho, uma imagem que circulou pelas redes sociais mostrou sargentos do 14º Batalhão da Polícia Militar Metropolitano (BPM/M), em Osasco, recebendo o treinamento de registro dos termos. A informação foi confirmada à Pública, por telefone, por um dos agentes da guarnição que afirmou que as aulas virtuais haviam começado havia pouco tempo, mas sem precisar uma data.
Na ocasião, a Secretaria de Segurança Pública (SSP), sob o comando do deputado Guilherme Derrite (PL-SP), havia respondido à reportagem, durante o processo de apuração, que o TCO estava em estudo.
Para o presidente da Associação dos Delegados de Polícia do Estado de São Paulo (Adpesp), André Santos Pereira, os cursos estão acontecendo de forma irregular. “O treinamento antes da conclusão da discussão é indevido, porque está baseado em uma ordem preparatória ilegal, expedida pela Polícia Militar. Essa ordem prevê uma grave usurpação de competências da Polícia Civil pela Polícia Militar”, disse.
Para o presidente da Adpesp, o risco de os termos circunstanciados serem registrados por policiais militares é a “possibilidade de erros procedimentais ou legais durante o registro, o que pode resultar em decisões inadequadas e até mesmo em problemas judiciais para os envolvidos”.
“Eles estão recebendo treinamentos de um dia e serão considerados aptos para decidir sobre direitos fundamentais, de natureza criminal, após realizarem um teste com 15 questões; se acertarem a metade disso, já poderão decidir sobre a liberdade de todo e qualquer cidadão nas ruas”, criticou Pereira.
Segundo o presidente da Adpesp, a associação entrou com um mandado de segurança coletivo para ter acesso ao que foi produzido pelo grupo de trabalho até o momento.
A SSP, por sua vez, disse que “o relatório final desses encontros está sendo finalizado e será enviado às autoridades competentes” e que “a Polícia Militar mantém um programa permanente de capacitação da tropa para o exercício das atividades policiais”. Leia a nota na íntegra.
Registro de termos circunstanciados por PMs é alvo de críticas
A decisão de que policiais militares poderiam registrar termos circunstanciados gerou uma crise entre as polícias Militar e Civil. Em abril, quando a ordem preparatória para autorizar a realização desses termos foi publicada, o secretário de Segurança Pública de São Paulo, deputado federal Guilherme Derrite, criou um grupo de trabalho para estudar a viabilidade dessa decisão. O prazo seria de 45 dias para essa avaliação. Na época, essa decisão foi anunciada como um “recuo” do governador Tarcísio de Freitas.
Assim que o prazo de 45 dias expirou, a pasta paulista de Segurança estabeleceu um novo, que seria até o final do mês de junho. No entanto, novamente a conclusão do estudo foi prorrogada e, desta vez, por mais 60 dias. O prazo atual termina em agosto.
O prazo prorrogado foi alvo de críticas de setores que representam a Polícia Civil de São Paulo: “Essa prorrogação é mais um episódio lamentável, na tentativa de justificar o injustificável. Já existe uma ordem preparatória em execução, com policiais militares sendo treinados, retirados das ruas para participarem desse treinamento com base em uma ordem com diversas situações juridicamente ilegais”, criticou o presidente da Adpesp.
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