No início desta semana, o ex-ministro do Meio Ambiente Ricardo (vamos-passar-a-boiada) Salles resolveu bancar o sabichão. Ao compartilhar nas redes sociais a notícia de que o Mato Grosso do Sul decretou emergência por causa dos incêndios, escreveu: “O assunto é bastante sério. Não comporta bravatas como as acusações cretinas que fizeram contra nós no Ministério durante os anos Bolsonaro”. Na sequência, listou o que ele acha que precisa ser feito.
“As queimadas atuais estão muito maiores dos que as de 2020, porém as causas são as mesmas: 1) ausência, por puro dogmatismo, de manejo prévio e adequado através da queima preventiva do excesso de matéria orgânica seca; 2) relutância, também dogmática e irracional, contra o uso dos produtos retardantes de fogo nas aeronaves de combate a incêndio e, 3) falta de chuvas. Tudo igual, porém muito maior”, disse.
Vou me ater aos itens 1 e 3, porque o 2, apontam os especialistas, é uma grande barbaridade que só traria ainda mais problemas. De todo modo, me pergunto: se ele pensava assim, por que não agiu quando era ministro? Mas vamos lá.
Sobre a falta de chuva. O Laboratório de Aplicações de Satélites Ambientais (Lasa), da Universidade Federal do Rio de Janeiro, que monitora via satélite incêndios no Brasil, divulgou uma nota técnica nesta segunda-feira, 24, sobre o que está acontecendo no Pantanal em que é categórico. Infelizmente, não tem nada de “tudo igual” no que está ocorrendo agora.
“Desde o final de 2023 e início de 2024, a região apresenta o maior índice de raridade de seca (com base na umidade do solo) já registrado desde 1951, ultrapassando o ano de 2020, que até o momento era considerado o primeiro do ranking de secas”, escrevem os pesquisadores. “O período 2023/2024 não encontra paralelo em nenhum outro período do registro histórico, sendo sem precedentes em termos de intensidade e duração da seca.”
Trata-se de um problema que não vem de hoje e tem como origem um combinado de fatores que estão “literalmente secando o Pantanal”, como explicou o engenheiro florestal e ambientalista Tasso Azevedo, coordenador do MapBiomas, à jornalista Miriam Leitão, do jornal O Globo.
“A corrente de água que vem da Amazônia, os chamados rios voadores, está diminuindo por causa do desmatamento na região. Outro problema é que no planalto, no entorno do Pantanal, muitas áreas estão sendo convertidas em pastagem ou em campos de soja. E isso aumentou muito o assoreamento da Bacia do Paraguai, porque está vindo muito sedimento. Tanto que o Pantanal está ficando mais raso. E tem um terceiro problema que é a destruição do pasto natural para ser substituído pelo pasto plantado”, disse Azevedo.
O fogo neste ano começou muito antes do que o normal. Junho não costuma ter muitos focos. Varia de algumas dezenas e a algumas centenas, mas, em média, de 1998 até o ano passado, o mês teve 103 focos. Para o ano, a média de área queimada no bioma é de 8%, de acordo com dados do Lasa/UFRJ. Em 2020, foram cerca de 30%, por volta 3,6 milhões de hectares. Naquele ano, os focos começaram a chamar atenção a partir de julho, atingindo o pico de 8.106 focos em setembro.
De acordo com o laboratório, em 2024 já foram queimados 684 mil hectares, contra 260 mil ha no primeiro semestre de 2020. Estimativas a partir de modelo matemático que levam em conta as condições climáticas em curso e o que se conhece sobre clima e fogo na região apontam que há 80% de probabilidade de chegar, no mínimo, a 3 milhões de hectares neste ano, me explicou Renata Libonati, que coordena os trabalhos do Lasa.
Em relação ao item 1 citado por Salles, ele até tem razão, mas, de novo, tampouco fez isso. A ministra Marina Silva tem defendido fortemente, desde o ano passado, a aprovação de uma lei que estabelece a chamada Política Nacional de Manejo Integrado do Fogo (MIF), que tem, justamente como premissa essa ideia de usar fogo para poder combater o fogo.
O MIF é uma abordagem ampla construída a partir da interação entre o conhecimento científico e os saberes ancestrais de uso do fogo de populações indígenas e tradicionais. Ele engloba, entre outros pontos, ações de prevenção e combate aos incêndios florestais de modo articulado entre governo federal, estados e municípios – coordenação fundamental e necessária quando se considera as características do Pantanal. Maior parte do bioma é tomado por propriedades privadas, onde Ibama e ICMBio não atuam, por exemplo.
A matéria é considerada prioritária para o ministério, chegou a ser aprovada na Câmara, mas parou no Senado por lobby dos Bombeiros, como mostramos em reportagem no ano passado. No início desta semana, Marina frisou: “Gostaríamos muito de que fosse aprovado nesse momento em caráter emergencial, para não precisar voltar mais à Câmara dos Deputados. Com certeza ajudaria muito se tivéssemos isso aprovado no início do ano passado.” |
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